Franklin Cascaes nasceu em 1908,
para ele o tempo não passou, sua lembrança está sempre entre nós. Como se
explica essa relação tão forte com a cidade, que praticamente nenhum outro tem.
Falecido em 1983, um ceramista, historiador, escritor, antropólogo e
pesquisador da cultura açoriana, nunca nos fez tanta falta como agora, nos 350
anos da cidade que ele tanto amava.
Para procurar entender e
registrar o que se passou na Câmara de Vereadores, na véspera do aniversário da
cidade, só dele poderia vir a precisa resposta: "As bruxas andam soltas na
Ilha da Magia". Quanta sabedoria, uma travessia no tempo que se
ajustou tão bem a realidade de agora. As bruxas soltas podem servir para tudo.
De uma tese de doutorado na UFSC a um enredo de escola de samba. De inspiração
para um poeta ou um livro de história para criança. Ou quem sabe um sonho, ou
um pesadelo, de um cidadão qualquer incomodado com o futuro da cidade.
De todas as possibilidades acima
citadas e outra tantas não lembradas, só reforçam a importância de Franklin
Cascaes para Florianópolis. A opção pela escolha de um sonho/pesadelo de uma
noite mal dormida, foi a forma encontrada de deixar registrado o que
"depredadores urbanos" podem fazer com a Ilha da Magia tão lembrada em versos, contos e prosas.
A história se passa em 23 de
março de 2028, cinco anos depois do fatídico Plano Diretor. Um grupo de
investidores prepara o lançamento de um mega empreendimento que pega toda a
Ponta da Daniela e parte da Praia do Forte. A data escolhida o aniversário de
355 anos de Florianópolis. Foram cinco anos de enfrentamento com a comunidade,
desapropriações descabidas, supressão de áreas de preservação, todas as casas
derrubadas, aterro por tudo que é lado e até a praia foi alargada com dinheiro público.
No dia anterior estive fotografando e conversando com velhos conhecidos sobre as "torres da Daniela". Como não dava nem
para chegar perto, um aparato da Guarda Municipal impedia a entrada de qualquer curioso, foi preciso cuidado. Acostumado com a região a solução foi a trilha entre a
Praia do Forte e a Daniela para chegar mais perto de onde seria o evento. Pelo caminho chamava atenção uma movimentação de nativos fora do normal. Numa roda deu para ouvir que as bruxas estavam chegando de toda a Ilha e que nunca
tinham visto tanta bruxa solta.
De noite com tanto mistério na cabeça, não dormir já era esperado. Quando os olhos se fechavam, o que aparecia era um pesadelo: uma maquete do empreendimento com 50 torres de 50 andares, como se fosse Camboriú. Para o evento convidados de vários estados e até do exterior. Para evitar protestos na estrada chegavam de lancha e helicóptero. Sob a areia da praia eram recebidos num tapete vermelho. Cada celebridade que chegava era festejada.
Um dia de festa para poucos e de tristeza para a cidade que mudava definitivamente sua cara e seu jeito. Quando tudo parecia perdido, de todas
as partes da Ilha chegavam bruxas com suas vassouras dando rasante na festa da
insanidade urbana. Gente de bem acostumada com a tecnologia de ponta, desde
tornozeleira nos pés e drones nas mãos, jamais podia imaginar que haviam bruxas
soltas na Ilha da Magia, onde estavam dispostos a investir seus milhões.
O que era para ser uma festa alto estilo, acabou dando errado. Rapidamente se
alastrou pelas redes sociais o ataque das bruxas como um acontecimento global incomum. O
empreendimento virou mico, os interessados sumiram e nunca mais voltaram. O susto foi grande. A Fundação Franklin
Cascaes foi ouvida, mas também não conseguiu explicar o corrido. Até pode ter sido um sonho ou um pesadelo, não sei. Enfim, só o tempo vai dizer o que se
passou entre 2023 e 2028 na Ilha da Magia.
PS - "No creo en
brujas, pero que las hay, las hay". Uma expressão muito antiga usada pelos
espanhóis e nossos irmãos uruguaios e argentinos. Ao mesmo tempo uma homenagem
a um manezinho que deixou um legado de muito valor espiritual, Franklin
Cascaes. Que o nosso prefeito e os nossos vereadores reflitam e se arrependam
do que fizeram com a nossa cidade. As bruxas andam soltas.
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