A Folha mal tinha completado 100 anos e já estava nas minhas mãos. Que engraçada essa relação com o jornal, o tempo não para. Na edição do dia 21, Fernanda Torres relembra seu encontro com a Ilustrada. No caderno seguinte a loucura das impressoras 3 D. Viro a página, o professor de história e deputado federal, Marcelo Freixo (PSOL/RJ), alerta para a democracia sitiada. Se não bastasse, até as obras do Monteiro Lobato estão sendo debatidas na Folha..
Na mesma edição o jornal trás para seus leitores, que: após alta hospitalar, 1/4 dos pacientes intubados por covid morre por sequelas (saúde); longevidade com dignidade é uma questão de direito (cidadania); estudo recente que contou com a participação de cientistas locais e internacionais, mostra os efeitos no meio ambiente da hidroelétrica de Balbina ( Amazônia). (*)
No entanto, foi a entrevista de Raduan Nassar que me fez relembrar a importância de se ter um jornal como a Folha. A chamada para a entrevista, que é da responsabilidade da edição, já mostra a diferença: "Estamos vivendo uma tragédia com Bolsonaro, mas precisamos resistir". Quantos de nós se encontra nessa situação. Segundo as últimas pesquisas bem mais de 50% da população. Quantos jornais ousariam abrir uma entrevista com essa chamada, quase nenhum. Como sei dessa dificuldade da mídia impressa se expor, separei alguns recados de um renomado escritor que não quer mais escrever e nem ler livros. Aos 85 anos Raduan Nassar prefere falar da política, mesmo sem estar filiado a nenhum partido.
- "Me considero de esquerda e fico com a definição de Pepe Mujica": " Ser de esquerda é uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo";
- "Talvez a maior lição da pandemia seja reafirmar que precisamos viver, e conviver, de modo comunitário e solidário";
- Raduan , depois de 20 anos de silêncio, em 2016 se manifestou contra o impeachment de Dilma: "Como todas as pessoas comprometidas com o Estado democrático de Direito, senti o dever de denunciar o golpe e a entrega de um projeto de nação que o Brasil esboçava construir";
- Como avalia os dois anos de Bolsonaro? Para Nassar: "Uma tragédia. Economia devastada, miséria crescente, pior gestão mundial da pandemia, não temos vacinas, não temos estratégia para distribuir as vacinas, não temos seringas".
- Sobre sua decisão de não escrever mais livros: "Não tenho livros prontos para editar, nem anotações, reflexões e textos na gaveta. Na gaveta, somente boletos à pagar ...."
(*) A usina de Balbina é da década de 80. Um escândalo acobertado pelas autoridades da época. São 3500 km² de área alagada para gerar quase nada de energia. Fica a 150 km de Manaus, no rio Uatumã. Só para dar uma ideia do tamanho do lago, é maior que oito ilhas de Santa Catarina.
(**) Raduan Nassar, 85, é de Pindorama, interior de São Paulo. Cursou Letras e Direito na USP antes de se formar em Filosofia.
PS - No Brasil das fake news, da descrença e do descaso, encontrar um jornal com uma informação mais apurada nos ajuda a entender melhor os reais interesses que movem o poder.
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