A causa de pouca gente dar bola para quem ocupa o cargo de presidente da Câmara dos Deputados, é muito em função do exemplo que dão. O cargo em si tem importância, na ausência do presidente e do vice é ele quem assume a Presidência da República. Quase sempre o eleito é resultado de um "acordão". A regra é "o toma lá da cá". Na minha época (2003/2007) o presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP/PE), foi afastado do cargo em dezembro de 2005, após ter sido denunciado por receber uma "rachadinha" de 10 mil reais por mês do ecônomo do restaurante da Câmara Federal. Uma vergonha! (*)
Independente do que se passava com a presidência da Casa, durante a legislatura conseguimos aprovar que as empresas estatais vinculadas à Eletrobras saíssem do Programa Nacional de Privatização. Foi também através da criação da Frente Parlamentar em Defesa das Energias Renováveis, que se deu visibilidade para as energias eólica e solar no Brasil. Com o passar do tempo se consolidaram e o país atualmente é referência mundial em projetos de geração nessa área. As duas iniciativas exitosas atribuo ao fato de ser oriundo do planejamento do setor elétrico na Eletrobras/Eletrosul.
Para não me estender nas duas décadas que se passaram, uma viagem no tempo me leva aos dias de hoje. O atual presidente da Câmara é Arthur Lira (PP/AL). Como Severino Cavalcanti chegou ao cargo através de um "acordão", tendo como pano de fundo o chamado "centrão". Como nada é por acaso, é visível sua proteção a Bolsonaro. Já são mais de uma centena de pedidos de impeachment sem qualquer andamento. Até quando não se sabe. Depois que seu colega Ricardo Barros (PP/PR) ter sido citado na CPI da Covid , encobrir os fatos ficou mais difícil. O escândalo da Covaxin tá batendo na porta de Arthur Lira.(**)
De volta a Eletrobras, Lira esteve diretamente envolvido com a privatização e seus "jabutis". Depois do mal ter sido feito, dia 23, saiu-se com essa: "O país terá que racionar energia para evitar apagão". E não parou por aí, na sequência quis passar a responsabilidade do que vem pela frente para os consumidores: "Vamos ter um período educativo de algum racionamento para não ter nenhum tipo de crise maior". Educar para não desperdiçar é um típico processo de conscientização coletiva. Para dar certo, só com bons exemplos. Assim como usar máscara contra a Covid 19 . (***)
A recente matéria de Nicola Pamplona, do dia 19, aponta para os que se beneficiaram com os "jabutis" da MP da Eletrobras. Segundo as entidades do setor de energia elétrica, a incorporação dos "jabutis" de Lira &Cia terão um custo de R$ 84 bilhões. Acredito que será bem mais. Entre tapas e beijos aumentaram de 6 GW para 8 GW a geração térmica a gás. Por ser uma contratação obrigatória de uma energia gerada numa usina térmica que não existe, abastecida por um gás que não está disponível e transportada por um gasoduto que não se tem, dá para ter uma ideia do nível do debate que fizeram.
Outro ponto bastante polêmico é o da comercialização de energia; cuja abertura proposta pela MP pode trazer prejuízos aos pequenos consumidores e ao planejamento do setor. É óbvio que os grandes consumidores que estão no mercado livre e negociam diretamente a energia que consomem, independem do governo e estabelecem em contrato suas regras. Já o consumidor de baixa renda e os demais, precisam que o governo assegure acesso à energia de qualidade e a preço justo. Preparam-se: não vamos ter nem uma coisa nem outra.
Se as dúvidas são tantas, porque aprovaram. Mais uma vez retorno à Câmara dos Deputados; a resposta está no interesse político regional. A MP está voltada para atender os interesses das regiões norte e nordeste. Quem votou no monstrengo que virou a Eletrobras, sequer pensou nas consequências. A rápida tramitação da matéria acabou engessando a Eletrobras: no curto prazo vai trazer insegurança jurídica e risco aos investimentos; no longo prazo, apagão e racionamento.
(*) O então deputado federal Fernando Gabeira (PT/RJ), foi à Tribuna e exigiu a renúncia de Severino Cavalcanti. Sem ter o que dizer, Severino renunciou. Além de Severino Cavalcanti, os outros deputados citados, por mera coincidência, são do Partido Progressista (PP).
(**) O que dizer da Covaxin depois da CPI da Covid , do dia 25. Nada a declarar. Fico com o humor de José Simão para resumir o escândalo: "Se a Covaxin derrubar o Bolsonaro, ela pode ser considerada a vacina mais eficaz do planeta!"
(***) Que exemplo esperar de um governo cujo presidente não usa máscara, num país que lidera o número de mortes por Covid/dia. Que segura um menino de máscara e na frente de todos tira a máscara da criança. Que faz questão de passear nas ruas de Chapecó e de Xanxerê, sem qualquer proteção, mesmo sabendo que os hospitais da região oeste de Santa Catarina estão com suas UTI's praticamente sem vaga disponível.
PS - Sobre a Eletrobras o TCU vem alertando que não é só a crise hídrica que preocupa, mas graves distorções comprometem o planejamento e a operação do sistema elétrico nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário