segunda-feira, julho 19, 2021

Do Herval dos anos 60 ao Brasil de hoje

Não conheço Herval, mas sei que é uma pequena cidade que fica na região sul do Rio Grande do Sul. Sem saber como explicar, de tempos em tempos viajo de volta ao passado. Essa volta às origens chegam quando estou dormindo e já vem prontas. Quando gosto da história me levanto e registro no blog.

A última que recebi se passa durante a ditadura militar, no Herval. No final da década de 60 apareceu por lá um tal coronel Jari se dizendo que era o prefeito nomeado. Num primeiro momento a surpresa foi grande, afinal Herval não era capital e nem cidade de fronteira para ter um prefeito indicado, conforme os militares tinham estabelecido. Passado o burburinho inicial as pessoas foram esquecendo e o coronel foi se enraizando. Naquela época tudo era possível e ninguém questionava nada.

Conta a lenda que um antigo radialista do Herval, por curiosidade profissional, começou a investigar quem era o prefeito Jari. Depois de um tempo e muita determinação, cumprindo com o seu papel de bem informar, o radialista ousou perguntar sobre a vida pregressa do coronel Jari no Exército. Foi ao vivo, domingo à noite, no programa conhecido como "Fala Prefeito". Não deu outra: a rádio foi fechada e o radialista nunca mais foi visto.

Com o poder absoluto sobre a cidade, os filhos do coronel Jari viraram vereadores. Os desmandos eram diários e o prefeito passava o tempo percorrendo a cidade com sua moto. O ronco do motor se ouvia por toda a área urbana do Herval. Já que era a única moto que tinha na cidade os passeios do prefeito eram vistos como exibicionismo, poder e ameaça.

Quando parecia que tudo ficaria assim, num dia de inverno, com as ruas vazias e o único café lotado, veio a notícia que o juiz da cidade, Luiz Adamastor Amaro, tinha chamado o coronel Jari no Fórum para uma conversa reservada. O café se esvaziou e as ruas do centro foram tomadas pelo povo curioso e esperançoso por dias melhores.

A reunião no Fórum não levou 10 minutos. O coronel saiu do encontro sem falar com ninguém, rangendo os dentes. No dia seguinte, renunciou ao cargo e deixou Herval levando a família. Por lá ninguém ficou sabendo da conversa do juiz e nem do paradeiro do prefeito. 

O tempo passou e o juiz Adamastor foi promovido para a comarca de Rio Grande. Depois chegou a desembargador e a presidência do Tribunal de Justiça. Natural do Rio de Janeiro, recebeu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o título de cidadão rio-grandense, pelo reconhecimento da sociedade à sua imparcialidade e o respeito ao direito.

Durante a cerimônia, o discreto cidadão Adamastor acabou sendo surpreendido por uma pergunta de uma rádio do Herval. "O que o senhor disse ao coronel Jari para ele ter renunciado ao cargo?", quis saber o repórter. Com a sabedoria que vem com a idade e com o sotaque próprio do interior do Rio Grande do Sul, assim resumiu: "Jari conheço os teus podres. O tu te enquadra ou mando te prender". (*)

(*) Carioca da gema, o doutor Adamastor brincava que o vento sul tinha levado o seu antigo sotaque embora. E que o mate e o cigarro de palha tinham se encarregado do resto.

PS - Herval  foi fundada em 1881, tem cerca de 7000 habitantes e fica a 300 km de Porto Alegre. É a cidade natal de um grande amigo, Amarilho. O resto é ficção. Qualquer semelhança com outros acontecimentos é pura coincidência.

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