quarta-feira, outubro 13, 2021

O problema energético vai além da crise hídrica (parte III)

O silêncio de Bolsonaro em relação à crise hídrica, mostra sua indiferença para grandes problemas. Antigo defensor da Eletrobras, Bolsonaro se deixou levar pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes. A privatização da Eletrobras, ao meu ver, é a porta aberta para termos uma energia elétrica com tarifas vinculadas ao dólar. Algo semelhante ao que ocorre com o gás, a gasolina e o diesel. Para um real desvalorizado, aposentadorias congeladas e o salário mínimo achatado; as dificuldades das camadas mais empobrecidas só se agravará.

Durante muitos anos trabalhei no planejamento do setor elétrico. Tudo começou em 1972 quando me formei em engenharia mecânica. O opção que fiz foi estudar hidrologia no famoso IPH, Instituto de Pesquisa Hidráulica da UFRGS. Lá se desenvolvia os modelos reduzidos de barragens, com atenção redobrada no dimensionamento dos vertedouros. O escoamento das grandes cheias que chegavam nos reservatórios, era motivo de preocupação para que não afetassem a estrutura das barragens. (*)

Na década de 80 o desafio foi atender o novo estado do Mato Grosso do Sul, substituindo seus sistemas isolados movidos a diesel, por uma energia elétrica de qualidade que chegava pelo sistema interligado nacional. Em paralelo, na área de atuação da Eletrosul  se iniciava os estudos da bacia do rio Uruguai. Todo o planejamento energético do Brasil era de médio e longo prazo. Os chamados Planos Decenais. 

Se hoje alguém que tiver acesso a Bolsonaro, um senador catarinense por exemplo, perguntar como está o setor elétrico e como vai ficar nos próximos anos, não vai ter resposta. Tanto assim, que em plena crise hídrica não se ouviu um comentário oficial sobre o Brasil estar recebendo energia de forma emergencial dos vizinhos Uruguai e da Argentina. Quanto a Roraima, onde a situação é crítica, paramos de receber energia da Venezuela  por motivos políticos óbvios. Em relação ao Paraguai, nosso principal parceiro no atendimento do mercado de energia elétrica, também pouco se sabe. O Acordo de Itaipu se encerra em 2023, e representa muito para nós nesse momento. (**)

Quando não há interesse nacional, tudo fica mais difícil. As fontes alternativas que estão disponíveis e ganhando espaço, também não estão sendo devidamente incentivadas. Por quase dois anos se ficou discutindo se a energia solar devia ou não ser taxada. Um debate totalmente fora de hora diante da crise hídrica. No último Leilão de Energia Nova A 5, no dia 30/9, o maior destaque ficou por conta da energia solar com 20 novos projetos e 11 parques eólicos. Os investimentos são privados e o valor do megawatt-hora ficou cerca de 12 vezes abaixo do que a Aneel autorizou para a usina termelétrica de Araucária cobrar de nós; o impagável e absurdo valor de US$ 500/MWh. Os números falam por si. (***)

(*) Vertedouro é a parte da estrutura da barragem projetada para escoar o volume de água em excesso que chega nos reservatórios. Em cinco décadas toda o regime hidrológico se modificou. A água não chega mais na quantidade que chegava. Para os desavisados, uma clara consequência das mudanças climáticas em curso. 

(**) A integração elétrica regional é um tema político importante, que pouco tem avançado. Não é essa solução emergencial adotada pelo Brasil. É um processo lento de negociação que exige transparência. Em relação ao já comentado Acordo de Itaipu, que se encerra em 2023,  no início do governo Bolsonaro foi motivo de um grande escândalo: negociações obscuras envolvendo intermediários dos dos países. Aqui abafaram, no Paraguai o presidente quase caiu.

(***) Facilitar ao máximo a entrada da energia do sol e dos ventos, é o óbvio. Só que não é bem isso que está acontecendo. Em plena crise hídrica, o governo aprovou uma lei (PL 5829) que contempla uma taxa para a geração distribuída. Ao meu ver, mais um obstáculo  no caminho. Não é hora de taxar fontes de energia renováveis; e sim de incentivá-las. 

PS - Minhas sugestões sobre o que deveríamos fazer, seguem no próximo comentário. 

   

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