Um sonho que tive, de Pepe Mujica para o capitão Jair

A passagem da comitiva brasileira por Nova York entrou para a história. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, como se estivesse no "cercadinho", Bolsonaro falou por 12 minutos para os seus. O alvo, os de sempre: a imprensa, governadores e prefeitos. Ao perambular pelas ruas da cidade, sem máscara, o presidente do Brasil foi publicamente enquadrado pelo prefeito, Bill de Blasio. A comitiva dos desatinados acabou comendo na rua, conforme exige a legislação local.

Por mais fanáticos que possam ser alguns seguidores de Bolsonaro, tenho minhas dúvidas se aprovaram o que viram e se avalizaram a vacinação da primeira dama em solo americano. Diante tanto descaso com o cargo que ocupam, o casal deveria ter feito uma quarentena em Montevidéu. Durante o período de resguardo passariam por um curso de formação em educação comportamental para presidentes. A base do ensinamento seria a passagem de Pepe Mujica pela presidência do Uruguai e o seu respeito: ao povo, ao país e ao cargo. 

Mujica, um agricultor de 86 anos, não era militar e nem foi afastado do Exército por mal comportamento. Durante a ditadura foi preso e torturado. Nunca perseguiu seus algozes. Em 2020 renunciou ao cargo de senador vitalício, previsto na Constituição do Uruguai para ex-presidentes. O motivo, uma convicção sua: a importância do desprendimento na política para que a renovação aconteça naturalmente. (*)

Sua morada sempre foi a mesma, um sítio num bairro pobre da periferia da capital. Lá continua plantando hortaliças e flores. Como o curso não existe, foi só um sonho que tive, os ensinamentos poderiam vir de  uma seleção de manifestações populares sem qualquer relação institucional e de interesse pessoal com Pepe Mujica. Para dar autenticidade ao comentário reproduzo abaixo o texto em espanhol de  um argentino, publicado em 2020.

"Miralo ahi, lo ves (acompanha o texto uma foto de Mujica cuidando dos tomates)? Es el ex-presidente do Uruguai. Continuando con su vida despúes de su presidencia. Salió con honores. Uruguay fue en su mandato el mejor país de Latinoamérica, progresista y justo. Y ahí está el. El gran Pepe Mujica, continuando su vida con lo necesario para vivir. Sin ser perseguido, sin ser demandado o acusado, sin juicios pendentes. No tiene nada que temer. Se quedó a viver en su país. Pueblo que alguna vez governó y que está tan agradecido con él. Un politico precisas ser una buena persona." (Vladimir AR, 27/7/2020, no facebook)  

(*) O Uruguai é o menor país da América do Sul, tanto em população como em extensão territorial. Em razão disso, o presidente conhece o país com poucos. Esse é o motivo que os congressistas justificam para que um ex-presidente ocupe a cadeira de senador vitalício. Pepe Mujica rompeu com a tradição e renunciou ao cargo.

PS- Conheci Pepe em 2005, quando da eleição de Tabaré Vásquez. Depois em 2010, quando da sua própria eleição. No dia seguinte à sua vitória, a mais festejada até hoje, encontrei perambulando pela Avenida 18 de Julho, Carlos de Lannoy, repórter da Globo que estava cobrindo a eleição no Uruguai. Como todo bom jornalista que é, comentou o furo que acabara de dar. Tinha sido o primeiro repórter a entrevistar o recém eleito Pepe Mujica. A história merece ser contada. De manhã cedo, antes mesmo do sol raiar, estava na porta do sítio onde mora Mujica. Sabia que era um hábito dele tomar um mate na varanda da casa. O que logo se confirmou, ao ver Pepe sentado com seus cachorros na volta. Da porteira Carlos se apresentou, sou da Globo e gostaria de entrevistá-lo. De longe ouviu o que já esperava, a negativa do presidente: pode ir embora a minha primeira entrevista será dada para um jornalista uruguaio. Era exatamente o que Carlos queria ouvir: "Presidente eu sou uruguaio, nasci em Treinta y Tres".  Depois disso a porteira se abriu. Sem pressa,  sentados na varanda, como dois uruguaios  tiveram uma amigável conversa entre um mate e outro.